Wednesday, May 30, 2007
Ter um filho é ser, não é ter. É acolher o filho tal como ele quer ser. É resistir a todas as tentações de substituir o filho do jeito que ele vai sendo por um outro mais parecido consigo mesmo. É abdicar do ofício genérico e artesanal de educador que consiste em amassar, modelar e retocar o barro, depois assoprar o hálito gentilíssimo e digital de criador sobre a pobre criatura, meu filho. É definitivamente renunciar ao ato possessivo de ter um filho
O QUE É TER UM FILHO? (4)
Ter um filho é ser, não é ter. É sofrer sem sentido quando não faz sentido aquele sofrer. É sorrir por nada quando nada justifica um sorriso. É buscar soluções mesmo sabendo que soluções não há, pelo menos não na sua própria web infinita. É ser quem acolhe na imaginação, e talvez no halo de uma existência por pouco santificada, o sofrimento, o sorriso e a busca aflitiva porque tem um filho e sabe que não é ter o que importa, é ser.
Tuesday, May 29, 2007
O QUE É TER UM FILHO? (3)
Ter um filho é ser, não é ter. É saber-se com preguiça, mas nem por isso ceder; é perceber-se sem vontade, mas nem assim descansar; é definitivamente não estar a fim, mas o que se há de fazer se não tem mais biscoito, se o suco na geladeira acabou e, enfim, se o menino ainda está em roupas de dormir. Afinal, ter um filho é contar com o saldo de uma vida de frente para compreender sem culpas que o tempo de prover é aquele que virá.
Monday, May 28, 2007
O QUE É TER UM FILHO? (2)
Ter um filho é ser, não é ter. É ser tocado pela emoção desde as pequenas coisas. É ser aquele que observa ali, ofertado ao mundo, pronto na bandeja em sua ancestralidade, o bolo! Mas que dispensa o gosto de prová-lo, provando apenas com os olhos, pelo puro prazer de olhar. Porque mais gostoso que o bolo e sua memória sem tempo, é a consumação do fato de que o filho é doidinho por bolo e vai devorá-lo já, já.
Friday, May 25, 2007
O QUE É TER UM FILHO? (1)
Ter um filho é ser, não é ter. É ser aquele que está para além de si ou que se descobre feliz mesmo quando está triste, porque mesmo estando só nunca estará sozinho. É ser aquele que tem um dedo a mais, um braço inteiro a mais, dois corpos, duas almas, vários sentidos por extensão para viver uma só vida. Ter um filho é dizer sempre uma frase, uma palavra a mais depois do ponto final. É ser um pouco filho de si mesmo, de seu próprio desejo de ser.
Wednesday, May 23, 2007
AUTOPRÓPRIAJUDA(5)
Que faço para atrair bons fluidos?
Todos os dias quando acordo, dirijo-me em silêncio ao canto esquerdo da sala para as primeiras orações. Separo lentamente as folhas verticais da cortina e inicio o exercício de meditação e boa vontade que aprendi num livro: trata-se de pronunciar, enquanto inspiro profundamente, o nome do Cristo, expirando enquanto houver fôlego a palavra eu. A ver se submeto um pouco a mim mesmo os meus indefectíveis diabinhos.
Todos os dias quando acordo, dirijo-me em silêncio ao canto esquerdo da sala para as primeiras orações. Separo lentamente as folhas verticais da cortina e inicio o exercício de meditação e boa vontade que aprendi num livro: trata-se de pronunciar, enquanto inspiro profundamente, o nome do Cristo, expirando enquanto houver fôlego a palavra eu. A ver se submeto um pouco a mim mesmo os meus indefectíveis diabinhos.
Tuesday, May 22, 2007
AUTOPRÓPRIAJUDA(4)
Que faço para atrair bons fluidos?
Insisto em dar ouvidos ao que dizem os pássaros que, de uma mata próxima, vêm cantar em minha janela. Na verdade, ainda não sei se os pássaros cantam ou dialogam em um alfabeto sonoro de poucos signos. De qualquer modo, venho poupando a vizinhança de minhas respostas e de meus exercícios de ruidosa decifração.
Insisto em dar ouvidos ao que dizem os pássaros que, de uma mata próxima, vêm cantar em minha janela. Na verdade, ainda não sei se os pássaros cantam ou dialogam em um alfabeto sonoro de poucos signos. De qualquer modo, venho poupando a vizinhança de minhas respostas e de meus exercícios de ruidosa decifração.
Monday, May 21, 2007
AUTOPRÓPRIAJUDA(3)
Que faço para atrair bons fluidos?
Desperto primeiro os sentidos que as idéias. A parte prática do dia começa em exercícios de apuramento: o leve sabor de um copo d’água contrastando toda dormência e ressequidão; o toque da espuma e da água fria numa ou noutra louça que ficou da noite anterior; uma inspiração profunda na fumaça do café passando e os sentidos acordam um a um, conectando o que julgo ser por dentro à plausibilidade externa dessa minha existência inconsútil.
Desperto primeiro os sentidos que as idéias. A parte prática do dia começa em exercícios de apuramento: o leve sabor de um copo d’água contrastando toda dormência e ressequidão; o toque da espuma e da água fria numa ou noutra louça que ficou da noite anterior; uma inspiração profunda na fumaça do café passando e os sentidos acordam um a um, conectando o que julgo ser por dentro à plausibilidade externa dessa minha existência inconsútil.
Sunday, May 20, 2007
AUTOPRÓPRIAJUDA(2)
Que faço para atrair bons fluidos?
Cumpro penitência virtual, isto é, me obrigo a não ligar essa máquina de dar em doido que é o computador e a não embarcar nessa arca-de-noé sem dilúvio da internet durante uma manhã inteira. O exercício de autoflagelo, que me sangra um pouco o piloto automático, reeduca melhor (quem sabe?) meus desejos, meus conceitos e meus sentidos reais.
Cumpro penitência virtual, isto é, me obrigo a não ligar essa máquina de dar em doido que é o computador e a não embarcar nessa arca-de-noé sem dilúvio da internet durante uma manhã inteira. O exercício de autoflagelo, que me sangra um pouco o piloto automático, reeduca melhor (quem sabe?) meus desejos, meus conceitos e meus sentidos reais.
Saturday, May 19, 2007
AUTOPRÓPRIAJUDA(1)
Que faço para atrair bons fluidos?
Procuro desviar o foco de toda intenção competitiva e egocêntrica e de toda vontade de medir o mundo pelas minhas próprias medidas. Nessa tentativa, recorro ao poeta para lembrar que o mundo não é só aqui ou que a vida não é só isso que se vê, e que muito certamente eu não sou mesmo a única coisa que importa neste mundo. Então enfeito minha alma de heterônimos e saio pela casa cantando um samba de breque, qualquer um daqueles antigos do Kid Morengueira.
Procuro desviar o foco de toda intenção competitiva e egocêntrica e de toda vontade de medir o mundo pelas minhas próprias medidas. Nessa tentativa, recorro ao poeta para lembrar que o mundo não é só aqui ou que a vida não é só isso que se vê, e que muito certamente eu não sou mesmo a única coisa que importa neste mundo. Então enfeito minha alma de heterônimos e saio pela casa cantando um samba de breque, qualquer um daqueles antigos do Kid Morengueira.