EXISTIR EM LISTAS VERMELHO E PRETO
O árbitro autorizou o início da partida. Muita gente à beira do gramado, como sempre aliás, fez atrasar em não menos que cinco minutos o pontapé inicial. O primeiro toque curtinho do meia ao avante e o avante, num largo movimento das pernas compridas, atrasou a bola até o zagueiro que despachou para o ataque. Depois de um começo estupendo, nenhum dos dois times atravessava um bom momento no campeonato, acumulando insucessos renitentes e consecutivos. A bem da verdade, o coração dele batia mesmo por outras cores e outros nomes, mas futebol é futebol, sabe como é, bom de assistir quase sempre, independentemente do jogo. Sua paixão, aliás, embalada em vivas e inebriantes tonalidades rubronegras, vinha em forte ascensão rumo às primeiras posições, quiçá ao título do campeonato. Fato que por si mesmo tornava qualquer outra partida particularmente interessante já que, por uma combinação ainda que remota de resultados, uma imprevisível e conspirativa aceleração de partículas aproveitaria o vácuo entre cada posição e suas adjacências mais imediatas, para resultar, finalmente, num sobe-e-desce de dar nos nervos mais serenos (como o do frio cientista social acostumado às nervosas flutuações micro e macro-econômicas e já arrependido de ter sucumbido, por vaidade ou não, à conjunção de forças que o levou à presidência do clube alviverde, agora exposto a um retumbante fracasso). Aos trinta e oito minutos sairia o primeiro gol (ainda viriam dois outros em sentido contrário). O ala foi lançado pela direita numa bola estranhamente precisa, dessas que parecem ter velocidade positiva e aceleração contrária, quando você jura que vai sair pela linha de fundo ela perde força e quica inteira à disposição do atacante; então o ala bateu com a canhota, a bola ricocheteou na zaga e foi morrer no fundo do barbante. Duas horas e três minutos mais velho, pensando aproximadamente as mesmas coisas sobre o amor e os valores intrínsecos à realização das potencialidades mais fundamentais do gênero humano; sobre a beleza da vida e a inexorabilidade líquida e certa da morte; já indiferente ao tempo do jogo que a crônica esportiva estenderia, certamente, até a realização da próxima partida, qualquer outra partida, indiferente ao próprio tempo consumado em gratuidade e abundância, desligou o aparelho de televisão e abandonou a sala.
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